sábado, 24 de abril de 2010

Sobre Manoel de Oliveira

por João Lopes*


Nascido em 10 de dezembro de 1908, Manoel de Oliveira é um caso único da história do cinema português e mundial. Pela longevidade, como é óbvio. Feitas as contas, decorreram 77 anos desde que apresentou o seu primeiro filme, Douro, Faina Fluvial, um caso admirável de afirmação criativa e atenção às convulsões criativas do seu tempo.

Mas a singularidade de Oliveira é também indissociável da dimensão obsessiva de seu trabalho. Este é um autor que pressentiu as contaminações entre documentário e ficção, antecipou o fascínio de muito cinema moderno pela escrita teatral, enfim, discutiu (e discute) as relações ambíguas do visível e do invisível, dos corpos e das almas.

Sendo tudo isso, Oliveira nunca deixou de ser um cineasta de contundente subjetividade, com o seu labor, paciente e obstinado, a refletir uma via eminentemente pessoal de descoberta autobiográfica. Veja-se o emblemático Porto da minha infância (2001) e observe-se o cruzamento mágico da memória documental, da sedução teatral, da história familiar e, por fim, do fascínio primordial do cinematógrafo.

No ponto de fuga temático e simbólico de tudo isso, deparamos com uma entidade aglutinadora, também ela obsessiva. Ou seja: Portugal. De Non ou a Vã Glória de Mandar a Cristóvão Colombo – O Enigma, passando por essa prodigiosa tragédia histórica que é O Quinto Império – Ontem como Hoje, Oliveira filma o cíclico retorno de uma interrogação dolorida e ansiosa: afinal, de que falamos quando falamos de português?

Percorrer os seus filmes, inventariando fatos, temas, imagens e significações, é também redescobrir um pouco da história coletiva que, entre certezas e dúvidas, nos fez passar das convulsões do século XXI. Oliveira é, por tudo isso, um criador que ajuda a repensar o lugar português. Como num espelho.

(*) Do livro "Manoel de Oliveira - 100 anos", parte integrante da edição de DVD comemorativa do centenário de Manoel de Oliveira, editada pela Lusomundo Audiovisuais.

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